sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Brinquedos e Brincadeiras da Cultura Popular: Refletindo a Poética da Infância




BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS DA CULTURA POPULAR:

REFLETINDO A POÉTICA DA INFÂNCIA
Em um projeto de pesquisa sobre brinquedos e brincadeiras na Amazônia, realizado entre os anos de 2001 e 2002, pude observar, entre outras coisas, um menino chamado Rodrigo Tapajós, confeccionando seu próprio pião de madeira de abiorana, retirada da mata por ele mesmo. Depois de adquirir a matéria prima, o garoto passa a dar fortes golpes com seu facão esculpindo passo a passo seu próprio brinquedo. Em seguida lixa o pião com uma língua de um peixe, isso mesmo, uma língua do maior peixe da Amazônia: o pirarucu. Em menos de 30 minutos, lá está ele enrolando a sua fieira e mostrando sua habilidade em lançar o pião. Ele não sabe dizer bem ao certo quem o ensinou a fazer e jogar pião, diz apenas que aprendeu olhando. Por todos os lados em comunidades ribeirinhas da Amazônia, se vêem crianças menores se aglutinando ao redor dos meninos mais velhos observando atentamente seus afazeres, geralmente atarefados com seus facões e empenhados em transformar a natureza em uma grande brincadeira.
Quem ensinou quem é difícil de dizer, mas de uma forma ou de outra a tradição permanece.
Meninos que rodam piões como o Rodrigo existem pelo menos desde o século cinco antes de Cristo, quando foi registrado pelo poeta grego Calímaco como um brinquedo infantil muito popular da época.
Andar em pernas de pau feitas de bambu, de forquilhas de árvores, de retalhos de madeira ou compradas em lojas de brinquedos, são formas de estabelecer um elo entre culturas diversas e viver no corpo a memória de tantas gerações. De reis a plebeus, de índios a chefes de Estado, de quem faz a guerra à quem proclama a paz, jogos e brincadeiras como o pião, a amarelinha, o bilboquê, a bolinha de gude entre tantas outras, fizeram parte da história de vida de todos nós e representam um importante patrimônio cultural da humanidade.
Com essa repercussão mundial que escorrega por épocas tão diversas, seria reducionista demais utilizar tais atividades como instrumentos disfarçados para se alcançar conteúdos outros que não o próprio fenômeno cultural destes movimentos lúdicos. O uso da brincadeira tradicional como recurso pedagógico é eficiente em seus objetivos, mas reducionista em suas características.
É preciso encurtar as distâncias entre os discursos sobre a brincadeira infantil e o que as crianças estão nos mostrando com suas brincadeiras.
Não é direto e reto o trajeto da aproximação do que é o brincar na infância, nem deve ser rasgado em compartimentos isolados para que se junte as peças do entendimento mais adiante. Achará bons elementos na compreensão do lúdico infantil aquele que se sentar ao chão e ouvir atentamente o que a criança tem a dizer, observar seus movimentos e devaneios, suas angústias e seus desejos. Gaston Bachelard nos lembra que "a criança enxerga grande, a criança enxerga belo". Observar uma criança é, portanto, acompanhá-la na sua beleza.
A infância é toda cercada de sutilezas e devaneios, de momentos de extrema subjetividade e encantamentos. Aproximar-se desses componentes, compreende-los como organizações da formação de um ser, requer ir além das composições objetivas construídas no saber cognitivo. Bachelard nos sugere que façamos uma poética-análise das situações vividas, diz ele que a "poético-análise deve devolver-nos todos os privilégios da imaginação". Pensando que é na imaginação que alçamos vôo e nos tornamos possuidores de nós mesmos, acho essa uma receita saborosa aos educadores de modo geral. Que criança poderia reclamar de ter um professor com níveis elevadíssimos de imaginação?
O momento atual conclama a universalidade dentro da diversidade e sugere que desconfiemos dos conceitos de épocas passadas para criarmos novos paradigmas. Conceitos que antes eram úteis podem hoje bloquear um entendimento global do ser humano.
Estamos atualmente descortinando os nuances do saber, e acrescentando aos dados obtidos em pesquisas sobre o homem e seu desenvolvimento as "delicadezas do vivido", e os subterfúgios do imaginário. Não podemos deixar que nossas escolas não se apercebam dessas mudanças.
O tempo de se apropriar da nossa criança real e não ideal é agora. Os ventos sopram para uma aproximação da cultura própria da infância e para uma busca em reconhecer uma identidade que lhe é própria. Isso significa aceitar que a criança é uma produtora e divulgadora de sua cultura, e que o brincar é seu canal de comunicação com o seu presente e seu passado.
Pressupostos teóricos não faltam para provar a importância do brincar na educação infantil. Cada teoria com seu foco específico, seu campo de observação, mas existe uma unanimidade na valorização da brincadeira no desenvolvimento da criança. Escola que não demonstre em seu currículo a importância de atividades lúdicas, será severamente questionada.
Ficam então as perguntas: Por que ainda se encontram tantas escolas que restringem os espaços físicos e temporais do brincar ? Que brincadeira é essa a que estamos então nos referindo?
Evoco aqui um pensar sobre um brincar poético, um brincar regido por estruturas além das nossas famosas "cognitivas, afetivas e sociais", um brincar que restabelece uma unidade de ser dentro de uma diversidade de estar.
Conclamo poetas e crianças para nos auxiliarem a ampliar nossos campos do imaginário, a conseguirmos observar as sutilezas sensíveis do ato de brincar, e a construirmos escolas onde a brincadeira entra de corpo inteiro.
Proponho que estejamos abertos a olhar o que nossas crianças estão fazendo por todo esse país, e que passemos a incorporar tais atividades dentro das escolas sem que elas necessitem de roupagens cognitivas.
Por último sugiro que deixemos as crianças serem crianças.
_____________________________________________________________________

Renata Meirelles
Projetobira
remeirelles@terra.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens Relacionadas

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...