"SOBRE JARDINS, INFÂNCIA E BRINCADEIRAS"
Ultimamente, venho sendo tomada por muitos sentimentos, desde que resolvi eu mesma cuidar do jardim da minha casa. Tive a surpresa de, ao arrancar matos da grama, me deparar com um rabanete nascendo. Fiquei feliz ao ver despontar uma firme flor da minha helicônia. Entristeci, ao podar uma folha seca da mesma planta e, perceber que a haste que sustentava a flor perdeu o equilíbrio e se dobrou.
Tudo tem seu tempo me dizia o jardim.
Passei a me interessar por trepadeiras e perfumes de flor, sobretudo os perfumes do jasmim. Aos poucos fui perdendo o medo de segurar os caules e as folhas e, entendi que no jardim como na cozinha, não se pode ter medo. É preciso segurar com firmeza, arrancar as ervas daninhas, cavar buracos na terra. Errar e corrigir. Colocar a mão na massa.
É preciso dar tempo ao tempo e o jardim nos ensina isto. Ensina-nos a ter paciência e esperar os novos brotos do bambu mussô.
Estou também aprendendo a olhar direito. Ver as folhas minúsculas querendo surgir e as pequeninas laranjinhas kinkan ensaiando nascer das flores brancas.
Sei que ando mais sensibilizada e já começo a reparar na presença de gérberas aqui e acolá.
O jardim é plástico e vai se construindo aos poucos com a minha presença.
E eu me pergunto:
Por que ando as voltas com o jardim?
Ando um pouco angustiada... isso lá eu bem sei!
Às vezes chego em casa e, lá vou eu carregar pedras para limitar os canteiros.
Outro dia mesmo, me deparei com um tatu bolinha. Toquei com o meu dedo o bichinho e ele se enrolou todo, igualzinho eu fazia na minha infância. Eu toda poderosa e onipotente controlando os bichos e as plantas ao meu redor!
Isto me fez pensar na angústia da criança.
A criança vive sentimentos intensos em sua infância.
O mundo vai sendo aos poucos a ela apresentado e assim se inicia uma relação complexa.
A criança que vive experiências boas com sua mãe-ambiente, vai podendo acreditar que o mundo é bom e que as pessoas são confiáveis.
Se as necessidades do bebê são atendidas por este ambiente, um colo quente, o alimento na hora certa, um carinho desejado... haverá a possibilidade do bebê crer num mundo bom.
Ainda assim, toda a criança vive em seu desenvolvimento, falhas e dificuldades próprias da vida. A vida, já diria Lígia Fagundes Telles, é luta renhida!
Mesmo numa família amorosa e boa, o desenvolvimento infantil não se dá sem sofrimentos.
Cada criança deve encontrar uma maneira para lidar com seus instintos e estabelecer relações com o mundo ao seu redor.
Desde o nascimento, o bebê está sendo apresentado aos fatos do mundo externo.
"Nas primeiras experiências de amamentação, as idéias são comparadas com o fato; aquilo que é pretendido, esperado, cogitado, é posto em confronto com o que é fornecido, com o que, para existir, depende da vontade e do desejo de outra pessoa. Ao longo da vida, deve existir sempre um perigo em conexão com esse dilema essencial. Mesmo a melhor das realidades externas é desanimadora porque não é também imaginária e, embora talvez possa ser manobrada, até certo ponto, não se encontra sob o controle mágico. Uma das principais tarefas que enfrentam aqueles que cuidam de crianças é a de levar auxílio na dolorosa transição da ilusão para a desilusão, simplificando tanto quanto possível o problema que se apresenta imediatamente a uma criança em qualquer momento dado. Muito da gritaria e das explosões coléricas de âmbito infantil gravita em torno dessa luta de vaivém entre a realidade externa e interna, e essa luta deve ser considerada normal"*.
Estimular a capacidade de brincar numa criança pode atenuar suas ansiedades.
A criança brinca não só para ter prazer, mas para dominar suas angústias.
Assim também fazia o artista Iberê Camargo: "Eu pinto porque a vida dói".
Ao brincar, a criança vive experiências que favorecem o seu desenvolvimento e integração.
É brincando que a criança relaciona suas funções corporais à sua mente.
Brincar, criar, escrever poesia, rezar, fazer jardim...unificam e integram o ser humano.
Brincar é uma experiência encarnada e fundante que acontece num espaço e tempo real.
É no brincar que encontramos a origem das produções culturais.
Brincar permite um trânsito entre o dentro e o fora o eu e o não eu, o subjetivo e o objetivo.
Nesta terceira área que é a área do brincar, área intermediária de experimentação, a criança transita entre o subjetivo e o objetivamente percebido. Esta é uma área de ilusão, onde o bebê acredita que criou o que lhe foi oferecido. Há uma ilusão de que existe uma realidade externa correspondente à sua própria capacidade de criar. Esta vivência é chamada por Winnicott de experiência de onipotência.
Aceitar a realidade e relacioná-la com o mundo interno não é tarefa fácil. É um jogo tenso que a criança vive e, para isso, encontra alívio exatamente nesta área de repouso que é o brincar. É aí que a criança controla o mundo de forma mágica.
Brincar também pode ser entendido como uma maneira de se vincular com o não eu.
Brincar é próprio da saúde, é universal, conduz aos relacionamentos com os outros.
A importância de brincar se dá no interjogo entre a realidade interna e o controle onipotente da realidade externa.
Relaxar, confiar, criar e brincar são as bases do Self.
A criança só se salva da dor, neste mundo imaginativo e criador que conecta o subjetivo ao objetivo. É na zona de criação, neste trânsito, que a criança articula sentidos para sua existência ao experimentar o mundo.
Saúde é poder brincar, sonhar, confiar e assim poder ser verdadeiro e sentir-se real e vivo.
Brincar integra, não cinde.
Se ganho um jogo, uma corrida, meu corpo vibra.
Se tenho medo no esconde-esconde, meu coração dispara.
Sou especial quando por mágica, faço virar estátua o outro.
Sou mágico quando toco com minha varinha de condão, as coisas, encantando-as.
E assim seguimos... controlando e brincando, criando e transformando.
E assim aprendemos a viver neste mundão com as coisas e com os outros.
Eu, tal qual a criança, também controlo o mundo quando arranco matos, delimito canteiros, planto flores. Quando enrolo sobre o seu próprio corpo, o tatu bolinha, sou Deus.
Quando faço o jardim, eu, como a criança, brinco.
E ao brincar faço dissipar minhas angústias!
Controlo o mundo e ele não me assusta tanto.
Ao menos este diminuto mundo que está ao meu alcance e ao meu redor: meu jardim!
Tudo tem seu tempo me dizia o jardim.
Passei a me interessar por trepadeiras e perfumes de flor, sobretudo os perfumes do jasmim. Aos poucos fui perdendo o medo de segurar os caules e as folhas e, entendi que no jardim como na cozinha, não se pode ter medo. É preciso segurar com firmeza, arrancar as ervas daninhas, cavar buracos na terra. Errar e corrigir. Colocar a mão na massa.
É preciso dar tempo ao tempo e o jardim nos ensina isto. Ensina-nos a ter paciência e esperar os novos brotos do bambu mussô.
Estou também aprendendo a olhar direito. Ver as folhas minúsculas querendo surgir e as pequeninas laranjinhas kinkan ensaiando nascer das flores brancas.
Sei que ando mais sensibilizada e já começo a reparar na presença de gérberas aqui e acolá.
O jardim é plástico e vai se construindo aos poucos com a minha presença.
E eu me pergunto:
Por que ando as voltas com o jardim?
Ando um pouco angustiada... isso lá eu bem sei!
Às vezes chego em casa e, lá vou eu carregar pedras para limitar os canteiros.
Outro dia mesmo, me deparei com um tatu bolinha. Toquei com o meu dedo o bichinho e ele se enrolou todo, igualzinho eu fazia na minha infância. Eu toda poderosa e onipotente controlando os bichos e as plantas ao meu redor!
Isto me fez pensar na angústia da criança.
A criança vive sentimentos intensos em sua infância.
O mundo vai sendo aos poucos a ela apresentado e assim se inicia uma relação complexa.
A criança que vive experiências boas com sua mãe-ambiente, vai podendo acreditar que o mundo é bom e que as pessoas são confiáveis.
Se as necessidades do bebê são atendidas por este ambiente, um colo quente, o alimento na hora certa, um carinho desejado... haverá a possibilidade do bebê crer num mundo bom.
Ainda assim, toda a criança vive em seu desenvolvimento, falhas e dificuldades próprias da vida. A vida, já diria Lígia Fagundes Telles, é luta renhida!
Mesmo numa família amorosa e boa, o desenvolvimento infantil não se dá sem sofrimentos.
Cada criança deve encontrar uma maneira para lidar com seus instintos e estabelecer relações com o mundo ao seu redor.
Desde o nascimento, o bebê está sendo apresentado aos fatos do mundo externo.
"Nas primeiras experiências de amamentação, as idéias são comparadas com o fato; aquilo que é pretendido, esperado, cogitado, é posto em confronto com o que é fornecido, com o que, para existir, depende da vontade e do desejo de outra pessoa. Ao longo da vida, deve existir sempre um perigo em conexão com esse dilema essencial. Mesmo a melhor das realidades externas é desanimadora porque não é também imaginária e, embora talvez possa ser manobrada, até certo ponto, não se encontra sob o controle mágico. Uma das principais tarefas que enfrentam aqueles que cuidam de crianças é a de levar auxílio na dolorosa transição da ilusão para a desilusão, simplificando tanto quanto possível o problema que se apresenta imediatamente a uma criança em qualquer momento dado. Muito da gritaria e das explosões coléricas de âmbito infantil gravita em torno dessa luta de vaivém entre a realidade externa e interna, e essa luta deve ser considerada normal"*.
Estimular a capacidade de brincar numa criança pode atenuar suas ansiedades.
A criança brinca não só para ter prazer, mas para dominar suas angústias.
Assim também fazia o artista Iberê Camargo: "Eu pinto porque a vida dói".
Ao brincar, a criança vive experiências que favorecem o seu desenvolvimento e integração.
É brincando que a criança relaciona suas funções corporais à sua mente.
Brincar, criar, escrever poesia, rezar, fazer jardim...unificam e integram o ser humano.
Brincar é uma experiência encarnada e fundante que acontece num espaço e tempo real.
É no brincar que encontramos a origem das produções culturais.
Brincar permite um trânsito entre o dentro e o fora o eu e o não eu, o subjetivo e o objetivo.
Nesta terceira área que é a área do brincar, área intermediária de experimentação, a criança transita entre o subjetivo e o objetivamente percebido. Esta é uma área de ilusão, onde o bebê acredita que criou o que lhe foi oferecido. Há uma ilusão de que existe uma realidade externa correspondente à sua própria capacidade de criar. Esta vivência é chamada por Winnicott de experiência de onipotência.
Aceitar a realidade e relacioná-la com o mundo interno não é tarefa fácil. É um jogo tenso que a criança vive e, para isso, encontra alívio exatamente nesta área de repouso que é o brincar. É aí que a criança controla o mundo de forma mágica.
Brincar também pode ser entendido como uma maneira de se vincular com o não eu.
Brincar é próprio da saúde, é universal, conduz aos relacionamentos com os outros.
A importância de brincar se dá no interjogo entre a realidade interna e o controle onipotente da realidade externa.
Relaxar, confiar, criar e brincar são as bases do Self.
A criança só se salva da dor, neste mundo imaginativo e criador que conecta o subjetivo ao objetivo. É na zona de criação, neste trânsito, que a criança articula sentidos para sua existência ao experimentar o mundo.
Saúde é poder brincar, sonhar, confiar e assim poder ser verdadeiro e sentir-se real e vivo.
Brincar integra, não cinde.
Se ganho um jogo, uma corrida, meu corpo vibra.
Se tenho medo no esconde-esconde, meu coração dispara.
Sou especial quando por mágica, faço virar estátua o outro.
Sou mágico quando toco com minha varinha de condão, as coisas, encantando-as.
E assim seguimos... controlando e brincando, criando e transformando.
E assim aprendemos a viver neste mundão com as coisas e com os outros.
Eu, tal qual a criança, também controlo o mundo quando arranco matos, delimito canteiros, planto flores. Quando enrolo sobre o seu próprio corpo, o tatu bolinha, sou Deus.
Quando faço o jardim, eu, como a criança, brinco.
E ao brincar faço dissipar minhas angústias!
Controlo o mundo e ele não me assusta tanto.
Ao menos este diminuto mundo que está ao meu alcance e ao meu redor: meu jardim!
* Winnicott - "A criança e seu mundo" - Ed L.T.C.- 1982 - R.J.
______________________________________________________________
Gisela Sigaud Furquim
Artista Plástica e Psicóloga
Atende em consultório Tel: (11) 3088-4197 ou (11) 9325-5487.
e-mail: betogi@terra.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário